Minha filha é lésbica! E agora?

30.10.2018 – ““Mãe, você nunca desconfiou que eu sou bissexual?”. Pausa. Eu respondi: “Nunca!”. “Mas eu sou”, ela disse””. A narração é da Life Coach Mônica Vieira, de 57 anos. Em 2008, sua filha, a cineasta e pesquisadora Ana Beatriz, hoje com 31 anos, se assumiu bissexual. No relato “Minha filha é lésbica! E agora?”, Mônica compartilha conosco o desenrolar dessa história!

 

Mônica Vieira
Mãe da Ana Carolina (34) e da Ana Beatriz (31)

 

♥ “Fiquei preocupada com o que viria pela frente, mas olhei para ela e falei: “Nada mudou! Você continua sendo minha filha!”

 

 

Como toda boa história, essa merece um belo início. Porque assim, nós, mães, e também os pais, podemos nos conectar de imediato com um assunto que, para muitos, é tão complexo.

Fui mãe muito jovem. Hoje tenho consciência disso. Tive a Carol aos 24 e a Bia, nossa protagonista, aos 27. Comecei minha vida de formada já com um casamento e uma filha. Costumo dizer que fiz duas graduações ao mesmo tempo, uma como bacharela em direito e outra como mãe.

A infância das minhas meninas foi muito parecida com tudo que vocês conhecem como clichê. Levavam uma vida de cuidados, como toda e qualquer criança precisa. As duas foram para uma escola religiosa.

 

Da esquerda para a direita: Ana Beatriz e Ana Carolina, na primeira comunhão da Bia. (Foto: Arquivo pessoal/Mônica Vieira)

 

Bia aos 3 anos. (Foto: Reprodução/Instagram)

A Ana Beatriz sempre foi muito bem humorada. Fazia atividades comuns da infância, como andar descalça, ir ao parquinho, tomar sucos e vitaminas. No cabelo e na pele, cremes. A alimentação era cautelosa (eu levava marmita nos aniversários e nas festinhas de escola).

Em casa, ela pedalava, corria, implicava com a irmã, amava a tartaruga que tinha (simpatia para bronquite), brincava com o cachorro – para quem ela mesma deu o nome de Lee -, andava de skate, estudava inglês e adorava jogar futebol com os meninos.

Fez futebol de salão, mas eu precisei pedir para o técnico do futebol de campo aceitá-la no time dos meninos, porque ela queria futebol de campo. Era a única no meio dos meninos.

 

“Você pode estar se perguntando

se eu não notava nada…”

 

Absolutamente nada. Ela estava feliz e fazendo o que gostava. Do meu ponto de vista, e só do meu, não me parecia estar sofrendo. Mas essa é a minha versão.

Acho que as roupas merecem um destaque aqui. A Bia sempre amou shorts e roupas confortáveis. Assim que pôde, passou a me entregar arcos e lacinhos, pedindo para tirar. E eu deixava.

Nos aniversários, levava short extra para jogar bola com as amigas e sempre deixava o vestido de lado. Gostava de relógios e roupa esportiva. Eu, quando tinha a idade dela, também gostava assim. Então, para mim, estava tudo certo!

Como mãe, podemos dizer que temos um “projeto-filho” e, nesse projeto, todas as variáveis estão sob nosso olhar cuidadoso, o tempo todo. Até que eles passam a adolescência e a personalidade começa a florescer de maneira mais contundente…

 

Da esquerda para a direita: Bia, Mônica e Carol. (Foto: Arquivo pessoal/Mônica Vieira)

 

A Bia passou um ano na Universidade de Lille, na França. Lá, ela namorou um menino na faculdade. No Brasil, também tinha namorado outros meninos. Um, inclusive, durante muitos anos.

“Mas um dia, ela perguntou

se eu nunca havia desconfiado que ela era bissexual”


Confesso a vocês que sempre olhei isso com naturalidade, mas o assunto sexualidade nunca foi pauta nossa. Quando minhas duas filhas menstruaram, as levei à ginecologista e as conversas aconteceram assim.

Conversar sobre a sexualidade delas nunca foi, nem por um minuto, algo que pudesse pensar ou imaginar questionar. Perguntas como “sua sexualidade é fluida?” ou “você tem vontade de sair com meninas?” nunca passaram pela minha cabeça.

Quando a Bia voltou da especialização da França, fui buscá-la para viajarmos juntas por 15 dias. Na volta, fomos almoçar num shopping em Portugal e ela disse que precisava me contar algo. Eis que aparece o assunto.

“Mãe, você nunca desconfiou que sou bissexual?”. Pausa. Eu respondi “nunca”! “Mas eu sou”, ela disse. Não fiquei chocada, mas preocupada com o que viria pela frente. Conversamos longamente.

 

Olhei para ela e falei: “Nada mudou.

Você continua sendo minha filha.

Mas me explica esse negócio de bissexual?”



Ela me contou que, desde os 13 anos, tinha sentimentos fortes por outras meninas. E que já havia beijado uma garota, quando ainda era bem jovem. Contou também a angústia de estar na igreja, participando das atividades, e se sentir culpada por tudo que sentia diante de todas as regras religiosas que eram passadas e repassadas por tantos anos.

Acredito que não foram anos simples para ela. Da minha parte, ofereci acolhimento de imediato, porque a minha filha continuava ali, plena, um ser humano incrível, uma parceira de viagem maravilhosa, uma irmã querida. Nada havia mudado mesmo.

 

Da esquerda para a direita: Bia e Mônica. (Foto: Arquivo pessoal/Mônica Vieira)

 

Aos poucos, fui aprendendo com ela que a sexualidade é fluida mesmo. Com o passar do tempo, ela se viu lésbica. Hoje é assim que ela se sente e vê. 

Sempre conheci as namoradas da minha filha. Elas iam em nossa casa, participavam de jantares, festas, aniversários e todas as outras oportunidades que pudemos estar juntas. Namoro é namoro. Então vale o amor mesmo! Penso assim.

Antes, ela falava em adotar uma criança. Mas me parece não ser mais uma escolha diante de tudo que ela diz presenciar e viver como lésbica.

 

“Ela foi tirada do armário

por alguém que não eu para a avó!”



Na minha família, tudo foi lento. Minha mãe soube por uma terceira pessoa, não por mim. Alguém achou que poderia falar antes de mim e aconteceu. Fiquei extremamente decepcionada, mas foi assim. Ela foi tirada do armário por alguém que não eu para a avó.

Minhas irmãs sempre foram reservadas com o assunto e me parece que não falar é melhor para cada uma delas. Respeito a posição de cada uma e assim seguimos. Afinal, não podemos nem devemos convencer ninguém. Respeito já é muito bom!

Tenho sempre a sensação de que todos têm medo de tocar no assunto quando, na verdade, quanto mais se fala, mais se aprende e mais podemos acolher o novo e o que não conhecíamos até entender melhor.

 

“É exatamente o que estou fazendo aqui.

Falando como mãe.

Esse é o único espaço de que posso falar com autoridade:

como mãe de lésbica”

 

Sigo aprendendo com ela. Todos os dias. São comportamentos, falas e, acima de tudo, que o “meu lugar de fala” é o de mãe de lésbica. Vocês imaginam o que isso seja? É exatamente o que estou fazendo aqui. Falando como mãe. Esse é o único espaço de que posso falar com autoridade: como mãe de lésbica.

Ela tem tatuagens, não raspa as pernas e nem os braços. Dentro da tribo das lésbicas, ela é considerada caminhoneira. Imaginem tudo isso para uma mãe com outros padrões! Tudo isso colocado na caixinha do amor e do acolhimento.

A Bia é cineasta no cenário de resistência. Trabalha com trans, gays, lésbicas e todo esse mundo que agora conheço. Utiliza todo o seu privilégio acadêmico para dar espaço de fala aos que não têm. Acolhimento e inclusão seriam palavras fáceis para defini-la.

 

Atualmente, Bia é cineasta no cenário da resistência LGBTI. (Foto: Reprodução/Instagram)

 

“Eu continuo recomendando casaco,

vitamina C, exercício, alimentação saudável,

ir ao dentista. Sabe essas coisas?”

 

Os anos se passam e todo dia aprendo que, pra lá do amor, tem perigo, violência, riscos, preconceito, ofensas e, por isso, tem que haver desprendimento. Eu continuo recomendando casaco, vitamina C, exercício, alimentação saudável, ir ao dentista. Sabe essas coisas?

Para mim, ser mãe da Bia é um mundo de possibilidades. Ela é casada há 2 anos. Afinal, o que é mesmo ter uma filha lésbica? É ter uma filha.


Com a palavra, Bia

Meu nome é Bia, sou filha da Mônica e acabo de ler a minha vida descrita pela minha própria mãe. 

Tenho uma tatuagem com a palavra afeto, que é um substantivo masculino. Mas, lendo esse texto da minha mãe, penso que deveria ser substantivo feminino. Para mim, não é só sobre afeição: sobre empatia, é sobre se colocar no lugar do outro. 

O que eu aprendi na militância, e que talvez vocês não saibam aqui, é que a maioria das lésbicas são ou trancadas, o que chamamos de cárcere privado, ou expulsas de casa. É uma realidade dura, mas muito presente no nosso país. 

Acolhimento foi o que a minha mãe sempre teve comigo e o que eu gostaria que todos os meus amigos LGBTI tivessem o privilégio de ter. Porque se você tem uma família que te acolhe, as pressões da sociedade ficam bem menores.

 
“Um asiático sofre bullying na escola e volta pra uma família asiática. Uma menina negra sofre racismo e volta pra uma família negra. Uma menina lésbica, em geral, volta para uma família heterossexual e sofre duplamente, na rua e em casa. Para essa jovem, as pontes ficam muito difíceis.”


Eu só posso falar uma coisa para a minha mãe: gratidão. Para as outras mães, seu eu pudesse, diria: acolham seus filhos! Porque a vida lá fora é muito difícil para você não ser aceito nem dentro de casa.

Eu sei que pode ser difícil se você vem de uma criação conservadora ou religiosa, mas se coloca no lugar do seu filho. Você vai ver que tudo que ele quer é afeto. E tudo que você quer é o afeto dele de volta. Portanto, amem-se! O resto a gente resolve conversando.

 

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