Relato de parto – Bem-vindo, Lucca
Kelly Seligman
Mãe do Cauã e Lucca
♥ “Foi um processo transformador. Transcendental. Senti tudo intensamente. O tempo todo.”
27.09.2016 – Sou mãe de dois meninos lindos (se bem que toda mãe que diz isso e é suspeita, mas os meus meninos são lindos mesmo 😉 – o Cauã, meu primogênito, de 5 anos, e o Lucca, recém saído do forninho (nascido no dia 05/06/16).
Bem-vindo, Lucca – Relato de parto
Desde a gestação do Cauã eu queria ter parto normal. Me lembro de ir ao consultório da obstetra e, ao longo de todos os quase dez meses de pré natal, ela enumerar “n” motivos pelos quais eu não teria o Cauã por esta via de parto. Ele é grande demais, e você muito pequena. Sem anestesia? Ah tá bom, quando chegar a hora conversamos. Seu líquido está diminuindo. Sua placenta está velha. Seu filho está com batimentos cardíacos reduzidos, é hora de ir para a maternidade. E foi assim que o Cauã chegou ao mundo, repentinamente, de uma cesárea, não eletiva, mas que, naquele momento, eu acreditei ter sido necessária. E, com ela, as quase seis horas e meia de separação entre mim e meu filhote (enquanto eu estava na sala de recuperação pós anestésica, no berçário estava o Cauã, em prantos, pequenino, desacolhido, perdido em seu choro).
Quando nos descobrimos grávidos do Lucca, tinha mais do que a certeza de que a via de parto para trazê-lo ao mundo seria a mais natural possível. Como planejamos a gravidez, fomos acolhidos por um obstetra, que mesmo antes de engravidarmos, já nos acompanhava. A gente percebe a diferença do tratamento médico dispensado à gestante quando a consulta pré natal é muito mais do que pesar a mãe e ouvir os batimentos do bebê. A cada consulta era uma oportunidade de aprendizado única. E também de muita conversa para aquietar o coração dos pais que anseiam por uma via de parto tão (infelizmente) em desuso em nosso país.
Em uma das consultas de pré natal soubemos do grupo de doulas Mandala, e então, começamos a frequentá-lo já no último trimestre da gestação. Quando conheci a Silvia, foi amor à primeira vista – sentimos tanta empatia e confiança em seu trabalho que não poderíamos ter escolhido doula melhor!
E foi assim que, mês a mês, eu e o meu marido e grande companheiro de jornada, Daniel, fomos nos informando, nos preparando e, acima de tudo, nos emponderando, acreditando que éramos capazes de trazer o Lucca ao mundo da forma mais respeitosa e amorosa possível.
Confesso que perdemos as contas de quantas vezes ouvimos pessoas nos dizerem: “Pra quê parto normal, hoje em dia quem faz isso?” Ou: “Por acaso o Cauã nasceu de parto normal? Então!”, e eu pensava sempre: “Então o quê????”. Ou ainda: “Nossa, pra que sofrer?? Já agendou a cesárea? Pra quando?”
No final da gestação, para evitarmos a fadiga das explicações (desnecessárias) para os outros, simplesmente evitávamos falar do assunto com as pessoas.
E por quê parto normal? Porque queria que o Lucca escolhesse o momento que estivesse pronto para vir ao mundo. Porque eu queria viver a experiência da maternidade em sua plenitude (o que, para mim, inclui também o trabalho de parto, a jornada de trazer o filho ao mundo da forma mais natural possível). Para poder ter meu filho em meus braços tão logo ele nascesse, e fazê-lo se sentir acolhido e repleto de amor, junto a seus pais, e amamentá-lo em sua primeira hora de vida – experiências estas que me foram subtraídas no parto do meu primeiro filho, Cauã. Para respeitar seu cordãozinho umbilical, nosso elo durante toda a jornada intrauterina, parar de pulsar, enquanto seu pulmãozinho se enchia de ar, migrando para o mundo terreno. Ainda, para conhecer os meus limites, e também a minha força. Para me fazer entrar em contato com a mulher mais primitiva que existe em mim. Para poder me recuperar brevemente, e poder desfrutar da maternidade de dois meninos lindos sem me preocupar com os pontos da cesárea e a dolorosa e longa recuperação pós cirúrgica. Mas, acima de tudo, porque eu acreditava que era capaz!!
A chegada do Lucca
Tudo começou numa manhã de domingo, dia 05 de junho, nublado e friozinho. Havia acabado de preparar o café da manhã e colocar o pãozinho de queijo recém assado na mesa. Como todos os domingos, sentamos eu, Cauã e papai à mesa, para o café da manhã. Só que este domingo reservava algo especial. Ao me sentar, senti algo diferente! “Amor, acho que minha bolsa estourou!”
A carinha do Cauã com a notícia, que trazia junto com ela a proximidade da chegada do seu irmão, ficará na minha memória!
Eu, super tranquila, queria ter ido na feira, e já pensava em almoçar uma feijoada no restaurante. Ahhh mas eu nem desconfiava da jornada que estava se apresentando para nós!
Bolsa rompida, mamãe tranquila, mas papai prevenido, Daniel Vitório já começou a acionar nossa querida doula Silvia Delman e nosso obstetra, Doutor Ayrton Daniel. Mas eu ainda quis ficar em casa, somente aninhada no marido e no filhote – e o Cauãzinho foi um show à parte, cuidando de mim!
Quase duas horas depois da bolsa romper comecei a sentir as contrações! Como ainda estavam um pouco espaçadas, conseguia brincar de batalha de dinossauros com o filhote entre uma contração e outra – durante as contrações ficava vocalizando como a doula havia ensinado, e Cauã ficou me imitando, cheio de graça.
Mas o bicho começou a pegar mais rápido do que eu previa…
“Aliás, o parto ensina que a gente não tem o controle do roteiro, mas sim, que temos a oportunidade de exercitar o autocontrole durante esta jornada, que já tem uma trajetória meio definida! ❤️”
Nesse momento, ainda bem que o feeling do marido conduziu a situação: eu, que queria sair pra comer a feijoada, comecei a ter contrações de 4 em 4 minutos. Mas o Dan já havia pedido para a Sil vir pra casa e pediu para seus pais nos trazerem almoço e buscar o Cauãzinho.
Como as contrações estavam bem intensas, já fui para o chuveiro, seguindo as orientações do obstetra, e logo depois a Sil chegou. Respirei aliviada neste momento – a doula nos relembra a todo instante nosso empoderamento e foco.
“Cauãzinho tinha se despedido da barriga e sabia que nosso próximo reencontro seria com o Lucca ‘do lado de fora'”
Não demorou para seguirmos ao hospital, pois o intervalo entre as contrações começou a diminuir – no carro, vinham a cada dois minutos! Aliás, para chegar no carro já fui sendo desafiada: moramos no quinto andar de um prédio sem elevador! A cada dois lances de escadaria, eu acocorava, vocalizava, me reestruturava (me lembro de estender os braços em direção à Sil, fiz isso de olhos fechados) e seguia!
Chegando no hospital, quando vi nosso obstetra, meu coração se acalmou. Me senti segura por completo, pois ali estava minha “infantaria” particular, pronta para me blindar, acolher.
Estava com 2 centímetros de dilatação e colo fino (ninguém me falou, fiquei só de ouvidos rs). Bateu uma angústia: quase 9h de trabalho de parto e só 2 centímetros? E as contrações iam e vinham, mais intensas, menos espaçadas.
Me interiorizei de uma tal forma que o mundo ao redor ficou em mudo: éramos somente eu, Lucca à caminho, e a nossa querida doula.
Foram muitas visualizações (Sil, a imagem das ondas do mar me inundaram, transbordaram e me fortificaram). Foram muitas vocalizações (o marido foi incrível! Ao vocalizarmos juntos o nosso som ecoava junto, e eu entrei em transe). Foram muitos apertões, arranhões, massagens…
Tudo passou de forma tão intensa que em menos de 2h40 já estava próxima do expulsivo. Gritei, urrei do fundo do meu ser que “ia partir no meio”, que “ia morrer” e “que queria fazer força “. Depois de ler tantos relatos de parto e de ver a reação da Sil, sabia que o Lucca estava realmente muito próximo.
Seguimos então para a etapa final desta jornada, onde teria seu desfecho com o encontro com o Lucca.
20:30. Dilatação completa. “E agora doutor?”
E o meu médico disse que era comigo, era hora de trazer o Lucca ao mundo.
Me acocorei com o suporte do Dan. E foquei. A cada contração, a Sil reforçava que era uma a menos. Um passo mais próximo do Lucca. Ao sentir o Lucca coroar, eu, mesmo exausta, tirei forças sei lá de onde (todo esse processo nos interioza em nossos instintos) e três puxos depois, às 22:10, recebemos o Lucca neste mundo terreno, tão belamente desafiador.
Sensação de amor pleno. Lucca veio direto aos meus braços, no aconchego e acolhimento de boas vindas a este novo mundo.
Somente depois do cordão parar de pulsar é que o papai o cortou.
“Foi um processo transformador. Transcendental. Senti tudo intensamente. O tempo todo.”
E isto só foi possível pois eu tinha ao meu lado pessoas incríveis e iluminadas. Gratidão a todos!
Lucca, meu filho: sua jornada teve início de uma forma ilumina! Desfrute deste mundo com todo amor, carinho, respeito e humanidade que couberem em você.