Quero dar um propósito à morte da minha filha

30.01.2018 – “Na primeira vez em que eu a tive em meus braços, ela já não respirava. Mesmo assim, a aninhei em meu colo e tentei segurar ali todos aqueles sonhos, porque eles não podiam escapar!”. A frase é da Flávia Cunha, que perdeu a Marcela, sua primeira filha, em 2014, horas após o parto.

Após o ocorrido, Flávia engajou-se em ajudar outras mães enlutadas e fundou, em Campinas, o grupo SobreViver. A organização sem fins lucrativos tem como objetivo apoiar mulheres que perderam seus filhos durante a gestação ou quando eles ainda eram bebês recém-nascidos.

No Dia da Saudade, Flávia escreve para o site um relato pessoal sobre o processo de convivência com uma forma de nostalgia que muitas pessoas ainda não compreendem: a saudade do sonho que se planejou viver.

 

Flávia Cunha 
Mãe da Marcela e da Manu

”Quero dar à morte da minha filha um significado, pois foi com a breve estadia dela que eu aprendi que esse amor só faz conta de multiplicação.”

 

“Quero dar um propósito à morte da minha filha”

“Por que comigo? Por que com o meu bebê?” Essas perguntas martelaram em minha cabeça insistentemente naquele 11 de abril de 2014 e em todos os outros dias que se seguiram após a morte da minha menina.

Desejei tanto aquela gravidez! Queria tanto aquele bebê! Sonhava em tê-la nos braços e exibi-la ao mundo com o dobro do orgulho que eu tinha ao exibir minha barrigona.

Planejei cada detalhe, desde as roupinhas até o primeiro passeio. Também pensei no quarto e na escola em que ela estudaria. Imaginei como seria nosso primeiro Natal juntas ou como comemoraríamos seu primeiro aninho.

Já suspirava de imaginá-la engatinhando pela casa e rindo sapeca para mim, mas tudo isso desmoronou em segundos. Nada foi do jeito que eu imaginei. Nem de longe.

Na primeira vez em que eu a tive em meus braços, ela já não respirava. Mesmo assim, a aninhei em meu colo e tentei segurar ali todos aqueles sonhos, porque eles não podiam escapar! Mas em poucos instantes, a levaram de mim.

“Devolvam a minha filha! Digam que está tudo bem e que foi um engano, por favor! O bercinho está pronto esperando por ela, com uma boneca que eu e seu pai compramos! Os brinquedos na estante, as roupinhas no armário…”

Contra a minha vontade, precisei engavetar também os meus sonhos. Todos aqueles os quais eu contava os segundos para viver e que não consegui segurar junto a mim.

Por mais que eu gritasse em silêncio, por mais que eu implorasse para que ficassem, eles se foram e eu continuei aqui, na maior solidão do mundo. Com os braços vazios e o coração em pedaços. Dilacerado!

A dor me rasgava ao meio e esmagava o peito. Era o maior sofrimento que eu já havia sentido. Faltava o ar, faltava vontade de continuar existindo. Nada mais fazia sentido. Como eu iria viver sem ela? Sem uma parte minha, sem um pedaço meu?

Um a um, os dias se passaram. Doloridos, sufocantes, sem luz, sem vida e sem direção. O mundo não parou por conta da sua partida. Como não? Como as pessoas conseguiam continuar respirando se a minha menina não estava mais aqui?

Barulho na rua, festa, buzinas e rojões. Por que festejavam? Era Copa do Mundo, eu sabia, mas a camisetinha da seleção que eu havia comprado para ela ainda estava lá, dobradinha na gaveta. Perfumada. Sem uso.

A gaveta, aliás, era a mesma que eu ainda não havia tido coragem de mexer. Aquele cheirinho de bebê nas roupinhas e o frescor do sol nos lençóis ainda se faziam presentes. E de novo: por que comigo? Por que com o meu bebê?

Essas perguntas já pesaram como uma grande pedra presa às minhas costas. Hoje, elas são pedregulhos no bolso, mas ainda estão lá e me cutucam de vez em quando.

Uns dizem ser missão, karma, destino. Eu não sei. Para mim aconteceu e pronto. Sem motivo algum. Se tem alguma resposta certa? Não importa mais. Nada pode apagar o que vivemos nem o que aconteceu com a minha filha.

Então eu sigo da melhor forma possível. Sei que nunca mais serei a mesma. O amor me transformou! O amor que transborda do peito hoje me faz ver a vida de outro jeito. Algumas vezes (ou muitas, confesso), preto no branco. Em outras (e que bom!), vejo muitas e muitas cores!

São 3 anos, 7 meses, 23 dias e 18 horas sem a minha menina, e o amor só aumenta a cada momento. Que eu possa ser alguém melhor. Procuro ressignificar o que aconteceu comigo ajudando outras mães que se despedem tão cedo de seus amores.

Desejo que esse sentimento imenso e arrebatador alcance muitas pessoas. Quero dar um propósito à morte da minha filha, pois foi com a chegada dela e com a sua breve estadia que eu aprendi que esse amor só faz conta de multiplicação. Todos os dias.

Que cuidar de outras mães seja a minha cura!

Conheça o grupo SobreViver

O projeto de apoio à perda gestacional ou do recém-nascido nasceu há 3 anos, a partir da própria experiência da fundadora Flávia.

Ao perceber que muitas mães têm a dor da perda precoce de um filho silenciada, Flávia uniu forças com outras mulheres para criar uma associação que possibilitasse aos pais que perderam cedo seus bebês conversarem sobre as crianças, inclusive citando seus nomes.

Dessa forma, nasce o SobreViver, com rodas de conversa e oficinas mensais, além do compartilhamento de leituras e conversas compreensivas, ambos sobre o luto, a qualquer momento.

Para saber mais sobre o projeto, acesse as redes sociais do grupo ou entre em contato:

Facebook l Blog l E-mail: gruposobreviver@gmail.com

Quero dar um propósito à morte da minha filha

 

 

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