Minha mãe não sabia qual filha escolher para doar o rim
30.09.2019 – Você já pensou como uma mãe escolhe entre suas filhas, qual delas doar um rim? “Minha mãe não tinha a menor condição de escolher pra quem ela iria doar, mas pra mim foi muito fácil”.
Hoje vamos falar da GESF – Glomérulo Esclerose Segmentar e Focal – uma doença renal caracterizada por cicatrização (esclerose) e endurecimento de um segmento de alguns glomérulos renais. Os glomérulos são responsáveis pela filtração do sangue para remover substâncias indesejadas pela urina.
Veja o relato da mãe amiga que tem essa doença.
Eva Marques
Psicóloga clínica especialista em crianças e adolescentes.
Medo e luta
Tenho uma história de vida onde, desde muito cedo tive que aprender a lidar com uma doença crônica.
Eu e minhas irmãs nascemos com uma doença hereditária chamada GESF – Glomérulo Esclerose Segmentar e Focal, doença onde os filtros dos rins vão se degenerando precocemente. Então, imagina uma adolescente de 16 anos com uma função renal de uma pessoa de 80?
Era mais ou menos isso… através de tratamentos e acompanhamento médico constante, meus pais nos ajudaram a manter a função renal até os 22 anos no meu caso, e 20 no das minhas irmãs, que são gêmeas. Então chegou a inevitável hemodiálise, num período da vida onde estava descobrindo muitas coisas… faculdade, viagens, amigos, namorado…foram 3 anos e meio realizando 3 sessões por semana, com 4 horas de duração.
Passava super mal, até hoje não sei como consegui conciliar o tratamento com uma faculdade em período integral. Então, o médico que nos acompanhava na época disse uma vez que, pelo fato de ser uma doença hereditária, que precisaríamos escolher qual irmã faria o transplante (somente a minha mãe era uma doadora adequada, a doença vinha da minha família paterna, e meu pai apresentava hematúria – perda de sangue na urina) pois havia uma possibilidade da doença voltar no rim transplantado. Minha mãe não tinha a menor condição de escolher pra quem ela iria doar, mas pra mim foi muito fácil… a Anna Paula, uma das minhas irmãs, estava sofrendo muito na hemodiálise, magra, entrando em depressão e além disso tinha muitos episódios de sangramento.
Não tive dúvidas: cheguei na Anna Maria, minha outra irmã, e propus que deixássemos ela fazer o transplante primeiro. Ela aceitou na hora, e assim foi feito. Parecia que a gente tinha mesmo que abrir “uma porta”, porque após a primeira cirurgia, as outras aconteceram no mesmo ano! Meu pai, que à princípio não podia doar, se recuperou e foi o meu doador e uma prima distante do meu pai (com a repercussão do nosso caso na mídia), apareceu e foi compatível com a minha outra irmã. Os 3 transplantes foram realizados em 2005, no Hospital do Rim em SP. Que vitória!
E antes disso, em 2003 a minha família fundou a ONG Doe Vida, que faz um trabalho bem importante a respeito da importância da doação de órgãos e ajuda pacientes carentes que fazem hemodiálise em Campinas e região.
Após os 3 primeiros meses de recuperação do transplante, que são os mais delicados, a sensação de liberdade pra viajar, beber água e comer o que se tem vontade é incrível! Eu tinha uma disposição enorme pra tudo, acho que aproveitei bem essa fase. Me formei, arrumei o meu primeiro emprego, fui morar sozinha… nessa época já namorava e em 2008 casei.
Em 2012, sete anos após o transplante eu comecei a ter episódios frequentes de infecção urinária. Então, o meu médico me pediu diversos exames e descobrimos um refluxo que não poderia ser corrigido cirurgicamente. Consegui levar a vida e tinha que tomar antibióticos para prevenção das infecções, mas a cada ano eu tinha cada vez mais episódios e passava muito mal.
Em setembro de 2017 precisei retornar pra hemodiálise, após 12 anos transplantada e em novembro me despedi com a maior gratidão no meu coração, do rinzinho que o meu amado pai doou, e que me proporcionou inúmeros momentos de felicidade.
Estou na fila do transplante novamente, aguardando uma segunda chance… não perco as esperanças, agradeço muito todo o processo. Se não fosse a hemodiálise não estaria mais aqui para ver a minha filha crescer, e não teria a oportunidade de realizar tantas coisas que enche o meu coração de alegria!
Tenho muita convicção que conseguirei novamente sair da hemodiálise agora com muito mais bagagem de aprendizado de vida! Valorizo cada momento em família, estou com meus pais sempre que eu posso e tento viver um dia de cada vez.
Sou muito abençoada! Tenho uma equipe maravilhosa que cuida de mim na diálise, uma família cheia de amor, muitos amigos, um trabalho que me realiza e de quebra através da ONG conheço outras inúmeras histórias de superação e fé que me fortalecem nos dias difíceis. Só posso agradecer! ❤️
Texto escrito por Eva Marques.
Revisado por Madame Conteúdo.