Da nossa dor, nasceu a Lei Lucas
18.04.2018 – No dia 27 de setembro de 2017, o Lucas, meu filho de 10 anos, participou de um passeio escolar cujo destino era uma fazenda histórica em Cordeirópolis-SP. No local, cachorros-quentes foram servidos como lanche. O Lucas engasgou com um pedaço de salsicha, não teve os primeiros socorros prestados de forma rápida e adequada e morreu dois dias depois, em decorrência de uma asfixia por engasgamento.
Alessandra Zamora, mãe do Lucas, de 10 anos
♥ “Nós não podemos pensar que só o outro vai precisar socorrer o filho em um acidente e usar as técnicas de primeiros socorros, porque o MEU outro, por exemplo, é você!”
Desde que o meu filho se foi, me pego refletindo se as nossas crianças estão, de fato, seguras nos locais que frequentam.
Nós, pais, confiamos a segurança dos nossos maiores amores a escolas cujos profissionais se dizem preparados para bem cuidá-los. Esses ambientes de ensino, entretanto, proporcionam mesmo a segurança que nós imaginamos? As professoras, inspetoras e outros funcionários têm treinamento em primeiros socorros e são, de fato, capacitados para prestá-los?
As mesmas perguntas se destinam aos trabalhadores de excursões, parques, clubes, academias de ginástica, peruas escolares e buffets infantis. Os adultos que atuam nesses locais têm que estar 100% preparados para garantir a segurança das crianças que estão sob sua responsabilidade.
Sendo assim, há 6 meses, eu e a minha irmã Andrea lutamos pela aprovação da Lei Lucas. Um dia, ela me disse que não havia conseguido salvar o sobrinho e afilhado, mas que faria o impossÃvel para salvar a mim.
Nasceu, assim, o projeto que visa tornar obrigatório que escolas, creches e locais recreativos para crianças e adolescentes capacitem seus funcionários à prestação de primeiros socorros em casos acidentais ou emergenciais envolvendo os menores.
Alessandra e Andrea em sessão parlamentar
Vale ressaltar que nós não queremos tornar o professor enfermeiro ou super herói. Nós não visamos, de forma alguma, um acúmulo de funções. O nosso objetivo é apenas capacitar os ensinadores para que eles, como responsáveis por seus alunos, saibam prestar os cuidados iniciais às crianças que, esporadicamente, venham a sofrer acidentes em ambientes teoricamente preparados para recebê-las.
Imagino que os profissionais da educação amam a profissão que abraçaram e também os seus pequenos aprendizes. Imagino também o desespero que é assistir um aluno morrendo na sua frente, sem poder fazer nada, por possuir total desconhecimento e despreparo para essa situação. De outro lado, que alÃvio e gratidão deve ser salvar a vida de uma criança!
Além disso, sou a favor da presença fixa de um profissional da saúde nas escolas, mas uma coisa não exclui a outra: ter professores e funcionários aptos a prestar os primeiros socorros é mais uma garantia à segurança das crianças e também dos pais, que confiam seus bens mais preciosos nas mãos desses trabalhadores.
Sabemos que há pessoas que não conseguem reagir em casos de emergência, mas até mesmo elas podem ajudar de forma decisiva no processo de primeiros socorros ao chamar o socorro medico, acalmar o os presentes, buscar um desfibrilador ou uma atadura, contactar a famÃlia, entre outros.
Desde outubro passado, quando a campanha pela aprovação da Lei Lucas foi iniciada, um trabalho de beija-flor apagando incêndio na floresta, mas batendo de Câmara em Câmara, passou a ser desenvolvido.
O projeto já foi protocolado em Campinas/SP, cidade onde o meu filho nasceu e eu resido. Além disso, hoje, mais de 400 cidades por todo o Brasil lutam pela aprovação da Lei Lucas, sendo que 50 municÃpios já aprovaram a proposta; 12 estados já têm o projeto tramitando em suas Assembleias Legislativas; e quase 30 municÃpios sancionaram a lei que nasceu a partir do caso do meu pequeno.
É maravilhoso ver que a nossa luta tem se tornado cada vez menos solitária! Dia após dia, as redes sociais nos trazem mais pessoas dispostas a nos apoiar. Temos recebido mensagens de incentivo dos 4 cantos do Brasil e de paÃses como Chile, Inglaterra, Canadá, Estados Unidos, Japão, entre outros, além de centenas de relatos de tragédias semelhantes à que se abateu sobre a minha famÃlia.
Por isso, o meu desejo é que a Lei Lucas alcance todos os estados e se torne uma lei federal! Estamos a um passo de conseguir isso. Em 39 dias de tramitação, o projeto foi aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados – tempo recorde, pois aprovar uma lei no Brasil, hoje, pode levar de 6 a 8 anos!
Projeto da Lei Lucas foi aprovado com unanimidade na Câmara dos Deputados
Atualmente, eu sou a voz dessas famÃlias que compreensivelmente se calaram diante da dor avassaladora. Eu também estaria entre esses gritos silenciados se a minha irmã e companheira de todas as horas não abrisse a porta que me possibilitou transformar a minha dor em amor ao próximo.
Nesses 6 meses, passei pelo primeiro dia das crianças, pelas primeiras férias escolares, pelo primeiro Natal, pelo primeiro ano novo e pela primeira Páscoa sem o meu filho amado.
A aproximação do primeiro Dia das Mães sem o meu grande amor faz as minhas pernas bambearem. Ainda tenho que enfrentar o meu aniversario, o dele e a data que selará um ano do acontecido… dizem que as primeiras datas emotivas são as piores.
Não há um dia em que eu não chore, me sinta consumida pela saudade ou morra um pouquinho ao recordar nossos sonhos e planos para o futuro. Dó saber que nós dois, juntinhos, jamais saberemos se terÃamos conseguido realizar!
Nunca verei meu filho de barba, de namorada a tiracolo, querendo ir à baladas com os amigos. Também não viverei as temidas madrugadas intermináveis à espera da batida na porta da frente.
Não verei o casamento, a formatura em jornalismo, a estreia como comentarista esportivo (o sonho dele!!!), mas o verei famoso, como ele sempre me dizia que um dia o veria ser. A um preço muito mais alto do que eu aceitaria pagar, mas que seja.
O nome do Lucas será falado por todo o Brasil. LUCAS. Não um mártir, mas um exemplo que abriu os nossos olhos para questionamentos raramente feitos. O Lucas viveu 100 anos em 10 e ajudou um paÃs a elevar a outro patamar a questão da segurança de nossas crianças.
Ambiciosa? Sim! Mamãe coruja? Muito! Exagerada? Talvez! Mas sei que todos me darão permissão para isso. Minha dor é imensa, mas garanto que o meu amor é ainda muito maior!
Dentro disso tudo, posso dizer que eu nasci para ser mãe. Sem dúvida, a maternidade foi o meu melhor papel, mas também sei que pelo meu filho, nada mais posso fazer. Ao tentar fazer algo por todos os filhos, me sinto um pouquinho mãe deles também! Coração de mãe, dizem, sempre cabe mais um. Posso dizer, sem falsa modéstia, que no meu cabem 60 milhões!
Alessandra: “Minha dor é imensa, mas meu amor é muito maior”
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