Apesar da perda, a gratidão

Apesar da perda, a gratidão.

selo materia mae amiga

 

Kelly Seligman

Mãe do Cauã

♥ “Acima de tudo, eu acredito que o que tem que ser e acontecer tem uma força muito grande.”

 

 

03.07.2015 – Nestes tempos de vida virtual, tenho me dado conta de como as pessoas são felizes e sem problemas! – Será? Bom, esta é a realidade aparente que se mostra no meu feed de amigos no Facebook, Instagram… Pessoas felizes, sempre viajando, sempre com um grande acontecimento para escancarar em nossa frente, quase como nos impondo uma ­– falsa!!! – obrigação de termos que ser felizes o tempo todo, e que ser feliz é ter dinheiro, viajar muito, ter um corpo sarado e dar conta de tudo com um sorriso no rosto, sem reclamar, e, claro, ser feliz é não ter momento ruim algum! Será mesmo????

Na vida da maternidade, esta vitrine também não é diferente… Desde a gestação até o parto, as mulheres são vítimas de comparações e rótulos, julgamentos… – Você engordou tudo isso? Você nem engordou na gestação, não se preocupou com seu filho? Parto normal, coisa de bicho! Como assim, você fez cesárea? Não amamentou? Amamentou até três anos? – Quem se identificou, levantando a mão em 3… 2… 1…

Não é diferente também quando uma mãe passa por uma experiência difícil, como o aborto espontâneo – precoce ou tardio. Parece que existe um sentimento de fracasso da mulher vinculado ao aborto. O que eu fiz de errado? O que tem de errado comigo e com meu companheiro? Não devia ter comunicado minha gravidez, tão cedo. O aborto foi incluído compulsoriamente no meu curriculum desta vida, e é sobre isto que gostaria de compartilhar aqui…

Apesar da perda, a gratidão

Retrospectiva…

Há duas semanas, aquele friozinho na barriga em receber o resultado do BetaHCG do laboratório… POSITIVO! Mix de sentimentos… Foi desejada, novamente. Planejada. Muito querida! Ligo para o Daniel, conto… Ele se emociona e começa a chorar… 10 minutos depois ele chega e contamos para nosso Cauã, que ele seria promovido à irmão mais velho. Pensa em uma criança feliz!! Filhote amoroso, logo abraça a minha barriga, com aquela sementinha a crescer em meu ventre, dá um beijo e logo quer contar para todo mundo. Na sequência, contamos para tias, avós, priminha. Uma festa – como deve ser! Celebrar a vida à caminho.

Apesar da perda, a gratidão. A cada dia da gestação que passa, eu me sentindo super bem e muito, muito amada, especialmente pelo Cauãzinho – ele me surpreendeu!

Quis contar para seus amiguinhos da escola e não teve um dia que ao se levantar, não corria para dar um beijo no neném e na mamãe. Quem você mais ama no mundo, filho? – e a resposta passou de: você, mamãe! Para a mamãe e o neném!

Ao acordar, Cauãzinho se levantava meio tropeçando, em busca de algo para a mamãe comer, porque o neném tem que crescer, né? – ele dizia todo orgulhoso, nem que fosse para me trazer balas ou pirulitos! Em analogia aos joguinhos, acho que ele acha que o neném vai crescendo em fases, e vira e mexe dizia que o neném tinha passado para outro nível… Lindo de ver e viver!

Os dias foram passando, eu estava bem, família feliz, tipo aquelas de comercial de margarina: filhote, marido, mamãe grávida, dois cachorros… Até que em uma linda e ensolarada segunda-feira, eu começo a sangrar. Foi só um pouco, não há de ser nada, na gravidez do Cauã foi assim também, mas o sangramento aumentou e aumentou… Marido, vem me buscar… Meu coração já sabia o que estava acontecendo ali.

Um acolhimento mais do que caloroso do obstetra e início da saga de quatro hospitais, o dia todo para fazer dois exames. Cólicas, muita dor, muito sangramento. Tristeza. No final do dia, o veredicto: perdemos o bebê.

Mas o acolhimento caloroso do obstetra e as palavras dele vão ficar comigo para sempre: foi a mãe natureza agindo.

Vida que segue…

E é verdade: foi a mãe natureza agindo. Sou bióloga, não há cetismo sobre isto: sei exatamente os porquês dos abortos espontâneos precoces, como o meu, de cerca de 7-8 semanas. Existe sim um tipo de seleção natural, ainda mais nas semanas em que estava.

Apesar da perda, a gratidão. Apesar de ser bem comum, muito pouco se fala sobre, até porque existe o sentimento de perda vinculado ao aborto, e dos planos que deixaram de ser concretizados, e a tristeza e o luto que acompanham este processo doloroso.

Mas se serve de consolo – para mim, serviu – cerca de 60% dos casos de aborto espontâneo estão associados a embriões que apresentam alguma malformação ou alteração genética, e a mãe natureza os elimina naturalmente.

Acima de tudo, eu acredito que o que tem que ser e acontecer tem uma força muito grande. E como meu pai mesmo diz, mesmo nestas situações delicadas, não perdi meu bom humor ou positivismo – herdei dele…

Sem filtros: fiquei profundamente triste. Pela perda. Pelo quase irmão ou irmã que demos ao Cauã. Pelos projetos não realizados com este bebê. Mas estou com o coração em paz. Acredito que Ele sabe o que está fazendo em seus planos. E foi inclusive assim que Cauãzinho se confortou pela perda – que ele, em sua extrema iluminação nem se deu conta como uma perda em si, pois contamos a ele que Papai do Céu está com o neném porque ele ainda não estava pronto, ele precisa crescer mais um pouquinho e logo volta para ficar conosco… – Meu marido disse até que o neném queria ficar tanto com a nossa família que “furou” a fila lá no céu, e teve que voltar para esperar mais um bocadinho para estar conosco… Explicando assim ficou mais leve. Para nós, e para nosso pequeno Cauã.

Apesar da perda, a gratidão. E diferentemente, do que estar devastada, pela perda do que quase tivemos, tenho um outro sentimento: o de gratidão.

Gratidão pelas quase oito semanas convivendo com este neném. Gratidão por perceber o fruto de nossa criação amorosa em nosso primogênito, que não teve um segundo sequer de ciúmes, e foi só AMOR pelo neném que estava na casinha em minha barriga.

Gratidão por ter visto e vivido quase dois meses sendo uma família de quatro corações – isto sem contar nossos outros filhotes peludos! Gratidão por reconhecer em meu marido o pai e o companheiro que escolhi, acertadamente, para a vida. Gratidão. Pelos bons momentos e outros não tão bons – e por todo aprendizado que estes momentos trouxeram e estão trazendo para a minha vida.

Para as mamães que passaram por isto, uma palavra: AMOR. Que o amor transborde na vida de vocês. Que conforte a tristeza no coração pela perda. Que dê forças para que sejam escritos os próximos capítulos, tão intensos e dignos de serem vividos. E que o AMOR logo volte a bater em vocês fora de seus peitos, no CORAÇÃOZINHO de um novo bebê.

Apesar da perda, a gratidão.

@ Mães Amigas

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