Mindfulness para crianças
09.11.2015 – Mindfulnes é uma palavra da língua inglesa que poderia ser traduzida como atenção plena ou consciência do momento presente. Trata-se de um treino de atenção que promove mudanças na estrutura do cérebro, favorecendo a capacidade de concentração, a autoconsciência e a autorregulação emocional. Com mindfulness, criamos o hábito de observar em que estamos colocando a atenção e também os nossos estados mentais e emocionais; e desenvolvemos abertura e flexibilidade para lidar com situações adversas, o que reduz o stress e a ansiedade.
Conversamos com a coach e instrutora profissional de Mindfulness, formada pela Universidade Federal de São Paulo, Regina Giannetti para entender mais sobre essa prática:
Mindfulness para crianças
1) O que é a prática do Mindfulness?
Vejo a prática como uma chave para lidarmos com a correria, a avalanche de informações, demandas, compromissos, mudanças e pressões deste nosso mundo frenético.
2) Como praticar Mindfulness?
Basicamente, a prática consiste em manter a atenção em sensações corporais da respiração, de partes do corpo ou de movimentos. E isso se pode fazer em vários lugares e circunstâncias, o que torna o exercício muito versátil e ao alcance de qualquer pessoa. Pratica-se sentado – o que pode ser na cadeira do escritório, no chão, no sofá da sala ou no banco do ônibus –, deitado ou em pé. Na modalidade de prática mais comum ficamos sentados confortavelmente, mas numa postura ereta, com os olhos fechados, num ambiente tranquilo, onde não sejamos incomodados. Idealmente o treino deve ser diário, por algo em torno de 20 minutos, mas se num dia da semana você não puder praticar ou tiver apenas 10 minutos, tudo bem.
3) Para que tipo de pessoa é indicada?
Para qualquer pessoa que deseje ter maior domínio sobre a atenção, inteligência emocional e qualidade de vida. Por se tratar de uma atividade que envolve a mente, pessoas em condições como depressão, ansiedade, síndrome do pânico ou dependência química precisam de um apoio especializado e acompanhamento médico, mas podem beneficiar-sem muito do mindfulness também.
4) Por que a prática é indicada para crianças?
A criança, assim como os adultos, é afetada pelo ritmo acelerado e a avalanche de informações. Há muitas coisas chamando a atenção dela, a todo instante – na TV, no joguinho eletrônico, na rua, na escola. Neste mundo tão cheio de estímulos, a mente infantil, naturalmente curiosa, muda o foco de atenção a todo instante e pode não treinar suficientemente a habilidade de sustentar a atenção em determinada coisa por algum tempo. Sem essa habilidade, ela se distrai facilmente, e em algum momento isso trará dificuldades na escola. Além disso, há o estresse da vida moderna, a correria da rotina doméstica, e isso também a afeta. Não vamos entrar na discussão sobre TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), um assunto que cabe a psicólogos e médicos abordarem. O fato é que pais e professores observam que muitos de seus filhos e alunos têm dificuldades para prestar atenção, são agitados e impacientes,e o mindfulness passa a ser oferecido como um recurso não só para a a criança desenvolver sua capacidade de concentração, mas também para que saiba aquietar-se.
5) Quais os principais benefícios?
Como a região do cérebro que regula a atenção regula também as emoções, os pequenos podem desenvolver a autoconsciência emocional e certa dose de autocontrole, desde que sejam adequadamente estimulados para isso. Em escolas onde pratica-se mindfulness, os professores relatam que as crianças se concentram mais, aprendem melhor, brigam menos e são mais cooperativas e gentis com relação aos outros. O mesmo vale para os adolescentes, que também aprendem a lidar com a ansiedade e o stress.
6) Com a prática pode ser aplicada no universo infantil?
Por meio de práticas adaptadas à realidade da criança. No caso delas, é importante que os exercícios sejam divertidos, tenham curta duração e estejam presentes em vários momentos da rotina doméstica. Nas escolas que adotam mindfulness (isso é bastante comum nos Estados Unidos e Inglaterra), os professores são treinados para incorporar os exercícios no cotidiano da sala de aula.
7) Quais os principais exercícios que os pais devem praticar com as crianças?
Um bom começo é deitar-se com a criança na cama, antes de dormir, e praticar a atenção na respiração. Para tornar essa atividade mais interessante, a criança pode colocar seu bicho de pelúcia ou boneco preferido sobre a barriguinha e observar o brinquedo subir e descer conforme ela respira. A criança não vai ficar absolutamente concentrada nisso, claro – ela vai dar risada, vai falar, vai derrubar o bichinho, e tudo bem, é assim mesmo. Com a repetição dia após dia, ela vai prestar atenção com mais facilidade e talvez sustentar o exercício por um minuto ou dois – e não precisa mais do que isso. Outra prática que a criança faz com interesse e prazer é prestar atenção em sons. Pedimos para ela sentar no chão e fechar os olhos, então tocamos um sinininho de meditação e pedimos que ela preste atenção como o som do sino vai ficando fraquinho, fraquinho, até sumir, e quando perceber que sumiu, ela levanta a mão ou faz outro sinal qualquer. Podemos também praticar com ela a atenção nos ruídos do ambiente em volta, como se tivéssemos os poderes do Homem Aranha; depois de algum tempo de observação dos ruídos, cada um conta o que ouviu. Resumidamente, toda atividade que envolve os sentidos, as sensações e os movimentos corporais – comer uma fruta diferente, escovar os dentes, apalpar um objeto com os olhos fechados, até preparar cookies com a mamãe – é uma oportunidade para a prática da atenção plena.
8) A partir de que idade é indicado o inicio dessa prática?
Nas escolas americanas, por exemplo, a educação com mindfulness começa no jardim da infância. Mas dependendo da criança e da disposição dos pais, a partir de três anos já seria possível estimular a atenção dela com os exercícios de ouvir sons ou a respiração com o bichinho sobre a barriga. Na verdade, há uma infinidade de oportunidades que se pode explorar para ensinar a habilidade de prestar atenção – até mesmo observar uma trilha de formiguinhas no jardim. A partir daí, quanto mais a criança cresce, maior variedade de exercícios ela pode praticar.Chegando à adolescência, as práticas já são bem parecidas com as dos adultos.
9) Após quanto tempo praticando o exercício é possível observar mudanças?
Os neurocientistas costumam dizer que mindfulness é uma musculação para o cérebro, já que fortalece as estruturas neurais que são ativadas pelos exercícios. A comparação é bem apropriada, pois no mindfulness, assim como na musculação, os efeitos não aprecem de um dia para o outro, e sim ao longo de semanas, e também dependem da regularidade com que se pratica.
10) O que você recomendaria aos pais?
Que antes de oferecer mindfulness às crianças, comecem eles mesmos a praticar, por vários motivos. Primeiro, porque precisam experimentar e entender aquilo que vão ensinar aos filhos. Segundo, a prática irá ajudá-los a lidar com o seu próprio stress e emoções; só isso já tem impacto positivo sobre as crianças, visto que o comportamento delas é fortemente influenciado pelo estado emocional dos pais. Terceiro, os pais são uma importante referência para os pequenos. Pai e mãe podem ensinar a criança a prestar atenção, mas, se não tiram os olhos do computador enquanto ela fala com eles, estão dando um exemplo que anula o que ensinam – e o exemplo é a mais efetiva das lições. Quarto, os “momentos mindfulness” são muito mais poderosos quando compartilhados por toda a família, pois passam a ser mais uma coisa que pais e filhos têm em comum. Quinto, a oferta de mindfulness para crianças ainda é muito restrita no Brasil; quanto mais pais (e professores) conhecerem a prática e seus efeitos, mais rapidamente ela chegará às crianças. Por fim, vale para mindfulness aquilo que as aeromoças falam no avião: “coloque a máscara de oxigênio primeiro em você e depois ajude quem está ao seu lado”. A comparação pode soar engraçada, mas a mensagem é séria. Nós, adultos, precisamos nos ajudar para então ajudar nossas crianças a crescer com equilíbrio mental e emocional nesse mundo frenético e cheio de desafios. Elas não criaram esse mundo e são nossa esperança de um lugar melhor para viver no futuro.
Mindfulness para crianças
