A Síndrome de Down é só um detalhe: criança tem que viver como criança
21.03.2018 – Hoje é o Dia Internacional da Síndrome de Down. Nessa data, eu gostaria de homenagear as pessoas que convivem com a síndrome – seja por tê-la, seja por cuidar de alguém que tem – e alertar a todos sobre a importância que o afeto e a infância têm no desenvolvimento das crianças com SD. Para isso, vou contar a história da minha pequena grande filha Juju (4), que é feita de batalhas sucedidas de vitórias.
A Síndrome de Down é só um detalhe: criança tem que ser criança
Karina Góes
Mãe da Juju, de 4 anos, e do João, de 7 anos
“Eu sempre falo aos pais de crianças com SD: “Valorize a joia que você tem em sua família! Lapide, saiba enxergar o brilho que ela tem e a vida seguirá com as as dificuldades de sempre – mas valerá a pena!”
Fomos informados sobre a suspeita de que a Julia tinha Síndrome de Down 5 dias antes dela nascer. Isso porque na 29ª semana de gestação da minha pequena, uma alteração no cordão umbilical levou a médica a cogitar a ocorrência genética.
Naquele momento, eu não acreditei muito na hipótese levantada. Como a gestação toda havia sido tranquila, sem alterações nos marcadores ou no exame morfológico, eu voltei os meus pensamentos à saúde perfeita que desejava à minha filha.
Por temer que a Juju entrasse em sofrimento fetal, a equipe médica passou a fazer um acompanhamento intenso da minha gestação. O ultrassom, um dos procedimentos que fazia parte do citado monitoramento ostensivo da gravidez, apontou que o meu bebê estava, de fato, entrando em períodos de privação de oxigênio.
Sendo assim, fui submetida à uma cesárea de emergência. Quando a Julia nasceu, eu olhei para ela e notei os seus olhinhos puxados. Lembro que pensei: “ela tem SD”.
Esperei o meu marido sair da sala de parto e questionei o médico sobre a característica que eu havia observado. Na hora, ele me respondeu que sim, a Juju tinha alguns traços típicos da síndrome. Respirei fundo e pensei: “eu só quero pegar a minha filha no colo”.
Quando cheguei ao quarto de pós-parto, soube que o pediatra já havia conversado com o meu marido. O Reimar nem tinha pegado a bebê nos braços e já recebia a notícia de que a sua filha não era “perfeita”!
Naquele instante, logo após o nascimento da Juju, sem nem ter a certeza da Síndrome de Down, começava a nossa batalha para que as pessoas que passassem por nós vissem a Julia, e não a síndrome. Isso porque durante toda a nossa permanência no hospital, eu só ouvia todos ligando tudo na minha filha ao número de cromossomos que ela tinha.
Um dia depois de dar à luz, eu e meu marido recebemos a visita do obstetra que acompanhou a minha gestação. Ele é uma pessoa iluminada e conversou muito comigo e com o Reimar.
“O que mais me preocupa é o preconceito que as famílias de pessoas com Síndrome de Down enfrentam. O que vai fazer a diferença na vida de vocês é a forma escolhida para lidar com isso”, disse o médico, pronunciando a frase que me marcou para sempre.
Desse dia em diante, eu vivo aberta e disponível para falar sobre a SD da Juju em todos os lugares que ela frequenta: na escola, no ballet, na natação. Converso com os pais a ponto deles me procurarem para esclarecer dúvidas sobre a síndrome – e isso me mostra que eu tenho trilhado o caminho certo!
Procuro mostrar a todos que a Julia não é um erro genético: ela é uma pessoa que tem sentimentos, que vive, que luta e que se esforça. Ah, e como ela se esforça!
No mesmo dia em que recebemos a visita do obstetra, fomos à um retorno de consulta com uma cardiopata que nos deu a notícia de que a nossa pequena possuía um grave problema cardíaco.
Por sinal, essa informação nos foi passada de forma indelicada, mas esse assunto é tão longo que eu pretendo, em outro momento, escrever um post que aborde exclusivamente, embora sem generalizações, a falta de preparo comportamental de alguns profissionais da saúde.
Voltando à ocasião comentada, ressalto que não foi fácil saber que a minha filha tinha um grave problema no coração. Essa notícia, sim, nos pegou de surpresa. Mais uma vez, respiramos fundo e, sem perder tempo, fomos em busca do que havia de melhor em tratamentos voltados ao controle da doença cardíaca.
Isso porque com toda aquela avalanche de informações, eu passei a sentir medo da cardiopatia, receio de não conseguir identificar os sintomas para agir em tempo… Eu só queria garantir que a Julia vencesse essa fase que eu, ingenuamente, achei que seria a nossa maior batalha.
Já é nítido que, ao sairmos do hospital, nós tínhamos novidades duras, que não faziam parte dos nossos planos, mas naquele momento, o mais importante para a minha família era ter em mãos o nosso maior sonho.
Aquela menina linda não era um plano só meu e do Reimar. O João, meu filho mais velho, na época com 3 anos, viu a Júlia pela primeira vez no hospital e disse: “Nossa, mamãe, ela é do jeitinho que eu pedi para o Papai do céu!”.
Ainda assim, uma nova fase se iniciou em nossas vidas. Era preciso estudar a cardiopatia, ler sobre a Síndrome de Down, esperar o resultado do cariótipo – tudo isso sem esquecer de curtir a delícia que é ter um recém-nascido em casa.
30 dias depois, recebemos a confirmação da SD da minha filha. Porém, seguimos focando no presente que aquele bebê era em nossas vidas! A Juju sempre recebeu esse amor e se desenvolveu muito bem – até que os sinais da cardiopatia apareceram e, com 3 meses, ela foi submetida à uma cirurgia de emergência.
Com um prognóstico tão ruim, entretanto, foi nesse momento que, pela primeira vez, a Julia nos mostrou o seu amor à vida e, mais uma vez, nós vencemos!
Não tem como não abrir um parênteses para falar das amizades que eu e minha família cultivamos nessa caminhada. Cada amigo e profissional que eu conheci foi fundamental em algum momento da vida da minha filha. Tenho um amor enorme por essas pessoas!
Passada a etapa da cirurgia, do pós-cirúrgico e da superproteção à Juju, vieram novas fases, como as terapias e a busca pelos citados profissionais que fizessem a diferença na vida da minha pequena.
Assim, passamos a viver uma rotina corrida que dá o tom dos nossos dias até hoje. Para mim, esse ciclo agitado é a principal diferença que nós temos: a gente busca coisas que as crianças típicas não precisam. Temos que mudar a nossa vida – inclusive no quesito financeiro -, mas vale muito a pena, porque as conquistas são compensadoras!
Hoje a Juju tem 4 anos anos (Fotos 1 e 2). O tempo passou muito rápido! Quando eu vi, ela já tinha crescido e vivido a expectativa do sentar, do engatinhar, de andar, de comer sozinha, de falar. Simplesmente passou e hoje ela faz tudo isso cotidianamente – às vezes com mais dificuldade, outras vezes de forma fácil, mas ela faz!
Nesse tempo de vida, as batalhas da Julia foram muitas! As situações que descrevi foram pequenas perto da luta que ela cravou para viver. Os episódios difíceis incluem diversas internações por problemas respiratórios – duas delas muito graves – e a cirurgia de emergência.
Este ano, comemoramos o seu aniversário com uma turma nova, em uma escola nova. A maioria das pessoas presente não conhecia a nossa história e, por isso, observou e comentou a emoção da minha família ao cantar parabéns.
Era a emoção por dar muito valor à vida. Por estar ali, comemorando 4 anos de muitas lutas seguidas de conquistas. Por estar vivendo um novo momento e pela Juju nos proporcionar tudo isso. Se não fosse ela, com todo o seu brilho e vontade de viver e aprender, nós não estaríamos vivendo aquele instante com tanta intensidade. Os amigos antigos dela e os novos também não.
Um dado que me veio à cabeça é que a Juju deu os seus primeiros passos com 1 ano e 6 meses. Pouco tempo depois, ela foi submetida à uma internação gravíssima e, ao acordar, nem sentar ou engatinhar conseguia.
Voltamos muitos passos. A musculatura se foi, doeu – com certeza doeu -, mas nós seguimos, treinamos e hoje ela não só anda, como dança ballet! (Fotos 3 e 4). Inclusive, já se apresentou lindamente, me fazendo alagar o teatro de tanta emoção porque, como sempre, ela me fez ver que tudo o que fazemos vale a pena. Cada segundo. (Foto 5)
Por onde passa, a Julia mostra um sorriso, um brilho, um olhar que diz a todos “Continue! A vida vale muito a pena!” (Foto 6). Ela deixa claro, embora de forma implícita, que não importa quando ela andou, sentou, falou ou qualquer outro dado. O que importa é viver, ser pleno e feliz!
Eu, por minha vez, convivendo diariamente com o comportamento iluminado dela, sempre digo às famílias de crianças com SD: Siga em frente! Valorize a joia que você tem em sua família. Lapide, saiba enxergar o seu brilho e a vida seguirá com as dificuldades que todos têm, mas valerá a pena!
E essa é a mensagem que quero deixar hoje. É um recado sobre olhos que sorriem ao mesmo tempo em que brilham, de lutas que valem a pena, do filho que não é uma síndrome, do amor que ultrapassa todas as barreiras e faz dar certo!
Eu tenho em meu coração que a melhor terapia que podemos dar a eles é o amor, o respeito, a convivência em família, o ato de brincar. É assim que criança aprende!
É dessa forma que eu levo a vida com a Juju e tem dado certo. A criação que ela tem é igual à do João (Foto 7). Respeito suas limitações, mas dentro disso, eu a incentivo e busco proporcionar o melhor que é possível oferecer a qualquer pequeno, porque criança tem que viver como criança: a Síndrome de Down é só um detalhe!
Galeria de Fotos

Da esq. para a dir: Juju, Reimar, João e Karina
- Foto 1
- Foto 2
- Foto 3
- Foto 4
- Foto 5
- Foto 6
- Foto 7
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